À Conquista de Londres

Editora de beleza, Bayer, consultora, pesquisadora de moda - Jana Melkumova-Reynolds é uma daquelas pessoas que, ao mudar de país e de língua, não deixa de fazer o que gosta e tem sucesso no que faz, provando que o sonho é mais importante do que as circunstâncias, que são sempre mínimas e exequíveis.

Vive em Londres há sete anos. Porque escolheu esta cidade?
Porque escolhi Londres - honestamente, não me lembro. Apenas sabia que um dia tinha de ir embora e que quando isso acontecesse a escolha mais provável seria Londres. Mas quando comecei a pensar seriamente em ir embora, Inglaterra pareceu-me a única opção adequada para mim na Europa: só aqui é que na altura havia programas para jovens licenciados à procura de emprego. Existem programas semelhantes na Austrália, Nova Zelândia e no Canadá, mas escolhi a Europa.

O que a atrai em Londres comparativamente a outras capitais europeias?
Londres é a única verdadeira metrópole europeia, com todos os prós e contras que isso acarreta. Depois de viver aqui, até Paris parece um encantador dormitório, já não falando de Copenhaga. A palavra diversidade está aqui bem representada - ou seja, a diversidade está inseparavelmente associada à tolerância: incontáveis grupos étnicos, estilos de arquitetura, tipos de looks, gastronomias do mundo e não só. A este respeito, também não existe anonimato na província, onde quem tiver algo em que se destaque está sob escrutínio de todos e é alvo de boatos. Porque em Londres existe todos os tipos de pessoas, é impossível surpreender os londrinos - o que quer que seja que gosta de vestir, o que quer que pense e como (ou quanto) ganha a vida. Sinto-me muito confortável nesta situação, em que posso fazer o que quero, pensar e parecer como quiser sem risco de ser o centro das atenções. Mas aqui também há um dormitório, apenas temos que sair do centro da cidade, Conheço todos os meus vizinhos, apenas existem 4 apartamentos no prédio onde vivo. O merceeiro deixa-me trazer os vegetais quando me esqueço da carteira em casa e vive no mesmo prédio que eu, e no prédio ao lado há um veterinário que às vezes me traz uns gatinhos para eu brincar. Como dizem os russos: mimimi.

Conte-nos o que faz. Sempre trabalhou em moda?
Em Moscovo, trabalhava como editora de beleza, como responsável de compras e organização de eventos de moda. Quando me mudei, sabia que era improvável encontrar emprego como jornalista sem ser falante nativa de inglês. Por isso virei-me para a parte da área da moda que me interessava. No início era consultora de designers que queriam entrar no mercado russo. Depois vi-me, gradualmente, envolvida com a Inglaterra, América e outros mercado. Agora o meu principal emprego - a agência N˚10_SHOWROOM, cujo objetivo é a consultoria e promoção de marcas de moda internacionais independentes. Entretanto vou escrevendo artigos em várias edições inglesas e russas de moda (Business Of Fashion, Style Zeitgeist, Russian Numero, Vogue ucraniana) e uma dissertação sobre a sociologia da moda. Redigir inglês tornou-se mais fácil ao longo dos anos, mas infelizmente tem-se tornado cada vez mais difícil redigir em russo.

Quem são os seus designers favoritos e porquê?
Martin Margiela (que, infelizmente, já se reformou, e não gosto do que se está a passar atualmente com a marca) e Hussein Chalayan - por utilizar a moda como estandarte sobre a sociedade e cultura. Pelas mesmas razões, gosto de marcas jovens – Iris van Herpen e Gareth Pugh. Também há muito que sou fã da marca japonesa de origem russa Volga Volga, porque cria uma relação especial íntima entre o corpo e as peças de vestuário, criando uma microcosmos de roupa que se pode vestir - penso que este é o futuro da moda. Além da marca Volga Volga, também gosto de marcas que se inspiram nos padrões clássicos de alfaiataria masculina e criam peças em tecidos suaves, criando uma imagem muito moderna da filosofia suave de Prince Edward VIII. Tenho algumas peças deles, embora seja uma marca de homem.

Segundo a sua opinião sofisticada,  atualmente existe uma indústria da moda russa?
A indústria da moda na Rússia (na qual sempre acreditei) tem agora uma exposição muito mais enraizada do que quando parti. Os designers russos vendem nas melhores lojas internacionais, e são mencionados em revistas pelo mundo inteiro e não existem problemas com o aspeto criativo. Mas, obviamente, ainda há um problema com a capacidade de produção (que é especialmente lamentável na Rússia), pois o estado apoia os pequenos negócios mas é difícil exportar da Rússia. Sei disto em primeira mão, porque tentei trabalhar com designers russos e quase envelheci no processo. Mas era surpreendente como alguns designers jovens não conheciam as regras mais simples do jogo da indústria da moda - nem sequer compreendiam a diferença entre venda a atacado e preço de retalho, e não conhecem o mecanismo das pré-encomendas. Há uns anos tiver oportunidade de dar uma palestra num seminário para estudantes universitários durante a Semana da Moda de Aurora, em São Petersburgo. Ao preparar-me para esta palestra, tive receio que tudo o que ia dizer fosse óbvio para qualquer profissional da moda, mas depois da palestra, muitos vieram agradecer-me por tudo o que lhes tinha ensinei.

Como descreve o seu estilo?
Hmm. "Audrey Hepburn descobre o cyberpunk"? Mas o meu marido insiste que as palavras "cyber" e "punk" não devem ser usadas na descrição do meu estilo, mas sim a palavra "retro-Goth"! De facto, não sei como me descrever, pois ando sempre a fazer experiências. Visto-me quase sempre de preto, branco e cinzento (às vezes adiciono acessórios e/ou maquilhagem coloridos colorida), uso muitas peças masculinas, sou adepta do minimalismo, desconstrutivismo, assimetrias, formas geométricas e layering. Não me sinto pronta se o meu look não contiver uma peça muito excêntrica. E sim, adoro vintage - desde a época Vitoriana ao pós-guerra... Em suma, acho que o meu marido tem razão.

Moscovo e Londres: em sua opinião, qual é a diferença em como as mulheres usam os produtos cosméticos e de limpeza?
Em Moscovo, as raparigas exageram com os cuidados do rosto e cosméticos e em Londres exageram apenas com maquilhagem! As jovens inglesas gostam muito de maquilhagem de cores alegres e, por vezes, exageram - pelo menos é tarefa quase impossível conhecer uma rapariga num Sábado à noite sem ter eyeliner a ocupar-lhe metade do rosto. Contudo, no centro de Moscovo às terças de manhã, muitas mulheres parecem as londrinas num sábado à noite - totalmente vestidas a rigor. Nem consigo imaginar como se arranjam ao sábado à noite.

Qual o produto cosmético sem o qual não consegue viver?
Não consigo viver sem batom do cieiro - tenho lábios muito secos. Contudo, uso sempre corretor (odeio pele pálida coberta de base), pó e máscara para as sobrancelhas (aqui não gosto de usar lápis por causa do efeito artificial). Quase não utilizo qualquer maquilhagem fora das semanas da moda - à exceção ocasional de uma máscara preta para alongar as pestanas ou um batom de cor viva. Mas durante a Semana da Moda, adoro maquilhagem excêntrica - batom roxo escuto ou sombra azul viva sobre toda a pálpebra, com máscara de pestanas azul elétrico, experimento tudo! A fazer contraste com a minha pele pálida e indumentárias pretas, fico com um ar teatral. E foi precisamente pela moda do teatro que um dia me apaixonei.

Autor: Fotógrafo: Jana Melkumova-Reynolds